Conversão infinita: fé como elemento da pintura
Quem pudesse com um cinzel pintar, fazer música etc.,
em suma fazer magia — não precisaria do cinzel — o cinzel seria uma excedência.
Novalis, in Pólen, §121
Três elementos foram levantados como sendo fundamentais para a pintura, sendo eles:
1. Cor;
2. Fé;
3. Fatura.
Chegamos à conclusão — ou à introdução — de que o elemento que mais falta aqui é o 2: fé; este é, no contexto do pintor Felipe, simultaneamente, o mais difícil tanto de se ter quanto de não se ter.
Talvez fé não seja algo como acreditar que haja vida após a morte, mas que pode haver vida dentro da vida — alguma coisa que, mesmo estando fora da ordem na qual se vive normalmente, possa entrar um pouco na ordem conhecida — o que obviamente não é gratuito — só pode acontecer depois de muito trabalho, dado que está fora da lei na qual se inscreve minha constituição. Há portanto trabalho depois do trabalho — o trabalho depois do expediente torna-se tão sério quanto este; o expediente, por sua vez, torna-se tão descontraído quanto aquele — desta forma, resultaria apenas entender que não-pintura não se difere de modo algum do que se conhece por pintura.
Acreditar no sucesso de uma pintura — como uma atividade — parece equivalente, ou próximo, a acreditar numa capacidade de se fazer uma conversão — uma troca de realidades — de estados — da não existência para existência. Para isso ser possível, há de se ter, primeiramente, algum tipo de não existente delineado — deve ter existido algum tipo de não existente — para que ele possa existir, quem sabe, através da pintura — ou de qualquer atividade de conversão.
Alcançado esta conversão — já extremamente e exatamente distante — teremos um sucesso — teremos um sucesso? Não sei bem — pois algum não existente vai existir como existente: a pintura, que não existia, passa a existir — sua ordem, porém, não se alterou — mas aquilo que não existia vai continuar não existindo — e é possível que aumente ou se transforme dentro de uma outra ordem, ainda, não existente — e se ele parar de existir, a pintura, consequentemente, parará de querer começar a existir — não fará mais sentido pintar — a pintura só faz sentido se aquilo que não existe existir cada vez mais como tal — daí, segue que pintar só faz sentido acreditando-se que o invisível não passe a ser visível pela pintura, mas que continue a ser invisível, também, pela pintura — um alimenta a vida do outro à distância.
Deste modo, o sucesso se converteu num fracasso — e vice-versa — o sucesso da pintura será proporcional ao seu fracasso ao tentar cumprir a premissa inicial — a de conversão de realidades — e este fracasso será tão bem sucedido quanto as realidades forem, de fato, encostadas umas nas outras. O fato disto ser matemático não exclui a absoluta característica de ser, também, nebuloso.
CCS, 30 de agosto de 2017