Charlote e seu casaco de pele

CCS — Caroline Costa e Silva
2 min readAug 5, 2020

Todas as manhãs Charlote bebia água morna

e vestia apenas um casaco

de penas de avestruz

no calor ela não usava nada por baixo

e no frio ele a esquentava bem

Ainda de manhã ela assistia

pela janela as flores

se inclinando sob o vento

e desejava que seu corpo

fosse ou soubesse fazer

umas curvas daquelas também

O que ela mais gostava –

era do vento tocando seu corpo

sem encostar nele

Quando ela vê os dois –

flor e vento dançando –

tinha certeza de que nunca

havia amado alguém

Ela não conseguia acreditar

em nada que levasse mais tempo

do que se leva para ler essa linha –

ou que durasse menos

do que a decisão exigida pelo paradoxo

que surgia quando o segurança

parado na porta dizia

Você não pode entrar com este casaco, moça

Você também não pode entrar nua

Ela só tinha aquele casaco

mas pensando melhor

ela não iria cambalear muito

caso o jogasse fora

e se vestisse com seus ossos

e engolisse a própria pele –

quem sabe assim

seria mais fácil se curvar

como a flor da manhã sob o vento

que bate agora em seus ossos

e não os faz tremer tanto –

não tanto assim

quanto fazia

naquelas angustiadas

e mornas manhãs

Seu esqueleto à mostra

é o caminho

pelo qual ela andava –

sem curvas sinuosas

Ela está um pouco mais

onde sua vida diz estar –

o lugar no qual as trevas

que toda esquina encerra

e que traz em si um brilho

que nem toda esquina

enterra

--

--