Charlote e seu casaco
Todas as manhãs Charlote bebia água morna
e vestia apenas um casaco
de penas de avestruz
no calor ela não usava nada por baixo
e no frio ele a esquentava bem
Ainda de manhã ela assistia
pela janela as flores
se inclinando sob o vento
e desejava que seu corpo
fosse ou soubesse fazer
umas curvas daquelas também
O que ela mais gostava –
era do vento tocando seu corpo
sem encostar nele Quando ela vê os dois –
flor e vento dançando –
tinha certeza de que nunca
havia amado alguém
Ela não conseguia acreditar
em nada que levasse mais tempo
do que se leva para ler essa linha –
ou que durasse menos
do que a decisão exigida pelo paradoxo
que surgia quando o segurança
parado na porta dizia
Você não pode entrar com este casaco, moça
Você também não pode entrar nua
Ela só tinha aquele casaco
mas pensando melhor
ela não iria cambalear muito
caso o jogasse fora
e se vestisse com seus ossos
e engolisse a própria pele –
quem sabe assim
seria mais fácil se curvar
como a flor da manhã sob o vento
que bate agora em seus ossos
e não os faz tremer tanto –
não tanto assim
quanto fazia
naquelas angustiadas
e mornas manhãs
Seu esqueleto à mostra
é o caminho
pelo qual ela andava –
sem curvas sinuosas
Ela está um pouco mais
onde sua vida diz estar –
o lugar no qual as trevas
que toda esquina encerra
e que traz em si um brilho
que nem toda esquina
enterra
CCS, 8 de janeiro de 2018