Brio

CCS — Caroline Costa e Silva
2 min readNov 21, 2021

Ele corre pelas ruas, pois está em atraso com a vida: não há mais dedos para contar as parcelas do maravilhoso (embora pequeninas e atrasadas) que ele vira, em sua mão.

Ele corre, ainda em atraso, para devolver a ausência de seu corpo, e enfim quitar, ou ao menos diminuir, a suspensão de sua alma, aquela que veio faltando um pedaço.

Ele corre, quem sabe os passos apressados poderiam se equivaler a letras esquecidas, palavras perdidas, àquela aliança comprometida que ficou no chão da floresta?

Ele corre com a dúvida incessante: por acaso Deus cessara? Ou ele nunca começou?

Algo respondia — Deus nunca parou de respirar através de seus pulmões — porém você já não os usa para respirar, você só respira perifericamente; sufocando-se quase a todo minuto.

Sem ar (ou melhor, cheio de ar, porém sem tubulações o suficiente para que ele possa circular), ainda assim, ele corre, remoendo seu gordo atraso, a possibilidade de que talvez não o deixem entrar; para tentar negociar, quem sabe um pouco mais de brio? Havia deixado o seu embaixo do banco no jardim.

O brio, maior do que jamais fora, levantou-o pelo colarinho, afastou a poeira de seu sujo paletó, dispersou sua vergonha e o mandou soletrar — sem pesar — tudo aquilo que não aprendera a falar; colocou-lhe a mão lentamente em seu ombro — agora já um pouco mais limpo e solto de antiguezas — e disse — vai — empurrando-lhe devagar para trás.

Delimitado por um caminho invisível ao olho nu, livremente, e por muito tempo, ele caiu — voou — sem ter asas ou condições para pousar — e não mais voltando à estagnação — perdendo (ou perdendo a noção de ‘perder’) para sempre a próxima estação.

CCS, 1 de novembro de 2021

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