A noite das palavras

CCS — Caroline Costa e Silva
3 min readJun 27, 2018

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Reflexão sobre a sessão de desenho de Res de 9 de fevereiro de 2018

Desenho de Res, 9 de fevereiro de 2018

Éramos jovens. E os jovens parecem não dar importância a nada, a não ser ninharias. Sabem revesti-las com uma profundidade trágica, e isso é o mundo. Pois, no final das contas, a realidade não tem nada de particularmente profundo. E quando você atinge a realidade, por volta dos 40, 50 ou 60, descobre que ela tem apenas sete palmos de profundidade e 18 de comprimento.

Faulkner, Mistral

Os grandes artistas só devolvem a humanidade que você já tem.

Res

Em nosso suposto silêncio, encadeamos palavras, empilhamos frases e, mesmo com tantos indícios e algum incômodo, apenas suspeitamos que este silêncio é de fachada; estando em descontrole, ele fala demais. Sua linguagem caótica e ruidosa, controlada pela grande falta de apoio às palavras, que, por sua vez, recorrem, desesperadas, a estar num fluxo onde batem umas nas outras, desvia-nos do objeto causador de desespero, e elas, ao servirem-nos de alimento ao hábito desesperado, tapam nossos sentidos, não desregrando-os, o que seria uma boa opção, mas os fazem parar de funcionar. Sua única ordem é estarem em movimento entrópico e simularem uma fuga para deixar-nos em um, também, suposto movimento. Assim, elas nos ensinam a nos enganar, e, na vontade de suprimir a dor, conduzidos ao que se parece ser uma ação, achamos estar fazendo algo — mas o que fazemos, no final das contas, é: deixar de ver.

Sobre o desenho de Res

O desenho não se trata de um encadeamento de camadas de cor. Não se trata de higiene visual, não se trata de design. Trata-se exatamente de um outro tipo de controle: o de abrir a porta e liberar o poder dessas palavras que já não mais correm, mas encontram-se paradas em seus lugares; elas já não mais gritam, mesmo quando poderiam chamar ambulâncias por estarem feridas; não o fazem pois sabem que seu estado é incurável e constituinte — devem, portanto, fazer algo — sua vida — com ele.

O desenho não se trata do desenho — mas sem ele, não seria possível executar; não executar o desenho, mas executar aquele que podia pensar que o desenho é como um caminho para uma liberdade. Executando-o, é possível ver que a liberdade — sua tragédia — já está posta e ardentemente fundida a Res — não vemos pois isto exige assumir e sentir o ardor.

O assombro do desenho de Res reside, também, na formação desse ardor; na garantia dele ter sido feito sem tantas palavras correndo para tapar buracos, mas, que, por estarem paradas e concentradas em seu lugar, deixam os buracos, também em seu lugar, e sangrando aqueles que assim o estiverem — nada, então, se move — e, com a porta de saída aberta — mas não arrombada por ninguém, pois cada coisa está em seu lugar — pode-se gerar movimento num papel, que se diz fixado numa parede. Nesta equação, o que está em infernal descontrole diz-se absoluta e corajosamente controlado e, por isso, vaza — sabe que correr para outro lugar que não fosse o seu seria o mais odioso dos subterfúgios; — o que está fixo diz-se em soberano e doloroso movimento — por ser — por aceitar, através do desenho, se comunicar não com as palavras paradas em seus lugares (isso seria perguntar e esperar resposta; mas aqui, verdadeiras súplicas não admitem resposta) — mas com sua noite — seu não-saber — com seus próprios lugares, que, intactos a qualquer tentativa de significado atribuído a elas, recusam-se a ser tidos como apoios a qualquer coisa — e por isso são, por definição, incomunicáveis e inapreensíveis.

9 de fevereiro de 2018, Sessão de desenho de sexta de RES

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