A incompreensibilidade da compreensão
Existe uma fala com a qual eu não quero mais compactuar: a fala eu não entendo diante de um desenho de Rubens. Dizer isto sobre um desenho de Rubens em particular é dizer algo tão óbvio que é como se nunca fosse preciso ser dito, pois é como uma propriedade dele — do desenho — e não de quem diz. O problema desta afirmação, porém, não vem de sua reluzente veracidade — mas sim da suposta contraditoriedade que ela esconde: o fato de que o que eu não compreendo não é o que estou vendo, mas sim aquilo que eu estou compreendendo — daquilo que obviamente eu não compreendo. Aí começa todo o problema e o desenho de Rubens se apresenta como uma fonte inevitável deste problema epistemológico tão abissal.
Dada a absurdidade dos fatos propostos, e sua tal crueldade de me colocar num lugar tão grande e distante em que não existe possibilidade de uma afirmação anular outra, eu quero assumir que, diante da verdade inquestionável de que eu não compreendo o desenho do Rubens, eu o compreendo. A partir do momento que não mais compreendo o que compreendo, digo então que quero compreender o que é que eu não compreendo.
O que eu não compreendo é a absurda presença que ele toma tendo tido todos seus atributos tirados de si — apresentando-se na forma mais nua, ele se presenteia — nos presenteia — como nunca se imaginou fazer. Ele é inteiramente feito de lacuna — e é esta sua compreensão — a de que ele não precisa ter elementos somados a ele para que ele seja — seja outro, seja desenho, seja difícil, seja compreensão ou incompreensão — não importa o objeto aqui nomeado — ele nomeia o objeto que ele precisa ser — ou não, pois me parece que ele não precisa ser nada — nem disso — para sê-lo!
O que eu não compreendo é o esforço de Rubens em tirar — em afastar — em suspirar; o desenho é, assim, feito de — apesar de muitas latas de tinta acrílica, sprays, e bastões oleosos — negatividade; e de acordo com o fato exposto acima de que, neste lugar, uma afirmação não admite negação — não é nada contraditório dizer que o desenho é feito essencialmente de suspiro. E disso, vem o fato — isso não deveria mais ser surpreendente neste momento, dadas todas as exposições — de não existir mais nada, o que inclui seu aparente oposto — a completude — feita de lacuna — ! Uma lacuna cujo ritmo magnético entabula os elementos persistentes à sua própria constituição.
O que eu não compreendo é como é possível tirar tanta vivacidade de algo que teoricamente não tem vida; como é possível fazer movimento a partir de algo que não tinha dentro de si potência de movimento? Ou sou apenas eu que acreditava ingenuamente que um papel não está ansioso para ser algo a mais?
Não posso perder para o papel — Rubens, como um dramaturgo, não pode perder para um papel que precisaria estar preenchido — como um papel de teatro ansioso por uma identidade — despido de qualquer uma, num lugar em que afirmações não têm negações, Rubens não assume mais papel algum — traz desta relação nada menos que um papel de tudo esvaziado, cujo resquício da forma retirada de si foi a de um desenho — eu não sei se o nome disso poderia continuar a ser esse.
Rubens não pode perder pois tudo já está perdido — tudo foi tirado — tudo foi abismado — perder, aqui, seria render-se à afirmação — que não tem lugar neste lugar abismático — de que o verbo perder se identifica com a atitude de perder.